Quando me vi no espelho do tempo
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Olho
pela janela do ônibus e sinto que o tempo faz exatamente como a paisagem lá de
fora: passa tão rápido que só vemos os borrões percorrendo os milésimos de
segundos que se estendem ao longo da corrida. A vida é essa corrida. Sem esperar, vai correndo, engolindo idas,
vindas, corredores, dores. Sinto que a música que toca no player neste instante entende mais de
mim que eu mesma. “Aceite, menina”,
ela diz, ecoando dentro de mim. “Como?”,
sussurro de volta. A verdade é que eu sei que preciso fazer, mas não faço ideia
de por onde começar.
De
repente, pequenos pingos de chuva embaçam a visão borrada que eu tinha do tempo
lá fora. A janela é inundada pela chegada das gotículas que compõem os
respingos da água que desce. Como se fosse possível que a natureza leia minha
alma, me vejo no chuvisco que, agora, assisto com certo arrepio nos poros. As gotas
vão se acumulando na janela, da mesma forma que minha alma acumula gotas frias
de lágrimas. Essas que não permito que desçam. Algumas gotas se tornam riscos
de um molhado que foi puxado pelo vento, então novos pingos de chuva substituem
as outras. É assim que sinto que
acontece dentro de mim: a cada novo obstáculo, novos pingos do choro que não
cheguei a chorar se misturam e formam um abstrato incompreensível.
Olho
para o lado e o que vejo me faz estremecer ainda mais. Parecendo uma conversa
sincera e secreta com a vida, a tempestade cai. O ônibus vai mais devagar por
causa da chuva que engole tudo a nossa frente. Sabe quando a gente vai juntando
choro e, de repente, quando as lágrimas começam a cair o choro acaba se transformando
em algo ainda maior? Choramos todos os
outros choros que não nos permitimos chorar até então, tudo ao mesmo tempo, até
não sabermos mais o porquê de estarmos chorando. Com a tempestade, vejo a mesma
coisa: um acúmulo de gotículas que se expandiram tanto que explodem sobre nós
quando não dá mais para suportar.
Sem
perceber, uma lágrima cai de meus olhos. Só uma. É que ainda não me deixo levar
pela explosão que escorre pelas janelas do lado de fora para que o lado de
dentro irrompa em lágrimas também. Se tudo
se inunda lá fora, sinto a umidade invadir meu peito com a mesma força, só que
estou cansada demais para ligar. Percebo que estou precisando muito de
resolver essa coisa de não saber como fazer quando vejo que mais ninguém parece
prestar atenção na chuva que invade as frestas da janela.
Só
a minha cortina está aberta. Então eu sorrio pela primeira vez naquela manhã
fria de junho. Talvez eu seja a única disposta a enxergar o mundo lá fora. Talvez
eu seja a única que não esteja trancada em meu próprio mundo para notar que as
coisas se repetem em todos os lugares.
Talvez
eu esteja pronta para fazer o que eu não sei como, mas que irei descobrir
simplesmente porque eu quero. Simplesmente porque eu posso. E vou.
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