No cair da noite
Ouço passos pelo corredor do
escritório no momento exato em que fecho o notebook para deixar a
sala. Chega de trabalho por hoje. Estou guardando o celular na bolsa
quando recebo uma mensagem de texto com seu número. É você, mais
uma vez, dizendo que está saindo e que pode me dar uma carona se eu
quiser. Como não quero, agradeço em uma digitação rápida, curta,
grossa e desligo o celular para que não veja mais sua foto brilhando
na tela em um pedido absurdamente insistente. Só mais uma vez.
Desço as escadas em passos leves
e cansados. Quando estou abrindo a porta da frente do nosso cômodo
robusto onde ocupa três escritórios pequenos, mas aconchegantes,
sinto sua mão na minha, ainda na maçaneta. Como quem não quer
nada. Como quem não quer, definitivamente, me esfregar contra parede
ali mesmo. Sinto seus olhos nos meus quando viro rapidamente a cabeça
para te olhar. Barba cerrada. Cheirando a café em uma mistura de
colônia amadeirada. Blusa social com apenas dois botões abertos,
mostrando fragmentos de um peito liso. Engulo as palavras que querem
voar de minha boca e digo um boa noite apressado seguido de um até
logo.
Saio.
Mas não tão fácil.
Você vem logo atrás, com passos
largos e imperfeitos. Chama meu nome como quem canta uma melodia de
Ed Sheeran. Posso ouvir o tilintar dos instrumentos ao longe de sua
voz macia. Apenas repito que não preciso de carona. Mas você
continua vindo, posso ouvir. Sentir. Está tão perto que quase penso
em correr. Seria muito ridículo? Estou cogitando a ideia quando
sinto sua mão segurar minha cintura.
Porra. A. cintura. Não.
Viro, calmamente, para te olhar
mais uma vez. Então eu vejo. Um sorriso reluz em seus lábios, ali,
bem acima da meia-lua que nos observa ao longe. E eu só consigo
perguntar internamente: por que, Deus? Respiro fundo como se fosse
responder a uma pergunta macabra em uma prova de vestibular. Mas
então, paro. Penso. Qual problema teria em aceitar uma carona? Estou
sozinha, cansada e teria que chamar um taxi, o que incluiria meu
dinheiro vazando pela bolsa. Digo que está bem e vou para o outro
lado da porta do carro antes mesmo que você insista em vir abrir.
Entro.
E, dali, não saio mais.
E a única certeza que tenho é
que a lua presenciou tudo, brilhante lá em cima, no meio de suas
estrelas tão belas, como se aprovasse toda essa poesia que a vida
traz, de repente, em um dia que teria tudo para terminar pior do que
começou. Aconteceu ali, no meio do brilho do cair da noite que teve
fim, mas que nos levou a um começo que, durante algum tempo, tentei
impedir. Que tola.
2 Recados
adoro essa riqueza de detalhes
ResponderExcluirdá pra imaginar tudo ❤
amei a nova cara do blog. tá lindo!
Elisa Alecrin
Ai, que bom que gostou! 😍
ExcluirSério? Trabalhei por dois meses para deixar tudo do jeito que eu queria! Fico feliz por ter ficado bom. Hehe
Obrigada, lindona!
Volte sempre! 😘
Bjs,
Sâm.
E você, o que achou do post? Me conte aqui nos comentários!
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