Se o amanhã ainda existir
Foram inúmeras as vezes em que
eu recuei, perdida demais nos vislumbres do que poderia ser um sonho
bom, inocente demais para perceber que nada duraria uma eternidade, simplesmente porque ninguém sabe dizer quanto tempo dura uma
eternidade. Fui sucumbida pela vontade de não desistir e, mesmo
realmente não desistindo, pude sentir o gosto ácido e amargo das
inúmeras tentativas que me fizeram retroceder diversas vezes, mas
que, ainda assim, me permitiram permanecer na tão falada luta de
cada dia. Eu estava apenas tentando. Mas ninguém pareceu perceber.
Não que eu dependa de visibilidade, mas, sabe, às vezes faz falta
um tapinha leve nas costas seguido de palavras de conforto. Seguido
de atenção e afeto.
Mas, quer saber? Eu continuei
tentando.
A gente cresce ouvindo dos
adultos, os que se dizem saber como é a vida, que aconteça o que
acontecer, a gente não pode desistir. “Não pode desistir” são
palavras normais, mas que carregam um significado árduo e decisivo
em te tirar a paz. Ou em te manter nela, eu não sei bem, porque,
apesar de hoje ser uma adulta, não estou no meio desses que sabem
como a vida é. Eu não sei como é a vida tanto quanto não sei como
eu sou. Porque, sabe, sou uma mistura de desistências com ânsia em
jamais desistir que, incrivelmente, acabou aqui, tentando. Sou
tentativas. Umas que deram certo, outras que nem tanto, mas que, de
alguma forma, por menor que seja, me proporcionaram experiência,
apesar dos remendos. Apesar dos desamores, das desilusões e dos
absurdos causados pelo talvez.
Mas, quer saber? Ainda estou
tentando.
Não sei ao certo o que estou
tentando buscar, afinal são tantas coisas. Acho que busco um
pouquinho de cada, como um quebra-cabeça, vou pescando as peças,
encontrando alguns fundamentos indiscutíveis pelo caminho, outros
incompatíveis, mas ainda na esperança de superar as estratégias da
vida, do jogo, do caminho. De tudo, talvez, até de mim mesma. É
que, diante de tantos corredores intransponíveis, a gente vai
virando gente que nem reconhece. A gente ainda tem a essência de
quem é, mas, no fundo, não faz ideia de qual será nossa reação
ao virar a próxima esquina. Porque a gente não sabe o que vai
encontrar por lá e não consegue se imaginar em situações que
comprometam a nossa vulnerabilidade.
Mas, juro que estou tentando,
cara.
Acontece que, às vezes, ou em
muitas delas, a gente sente aquele baita nó arrebentar nossa
garganta. E quando esse nó entalado chega ao coração, parece que
tudo que tentamos foi em vão. Mais um ano se vai. Mais inúmeras
tentativas se perdem por aí, sabe-se lá onde. Eu sei que guardamos,
mas acaba que entala, transborda e a gente perde mais uma vez o
controle que pensou que tinha. Vai ver ele nunca existiu realmente.
Vai ver virar gente grande é isso: viver na tentativa de ser, mas
nunca entender completamente o que é estar sendo. E a única coisa
que eu sei hoje é que estou apenas tentando ser ou continuar sendo
capaz de buscar pelo grande e indiscutível dia de amanhã. Se o
amanhã ainda existir.
Afinal, ainda estou tentando.
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