Era natal, não era amor
Havia muitas luzes na rua. Ele
usava um gorro preto que deixava apenas sua franja comprida e loira e
sedosa jogada para o lado em seu rosto. Tinha as mãos guardadas nos
bolsos da frente do moletom azul e sua calça parecia um pouco
maior que seu número, pois caíam em sua cintura dando vislumbres de
sua roupa íntima. Não perguntei seu nome aquele dia, não quis
saber o motivo de ele perambular pelas ruas, aparentemente sem rumo,
em plena véspera de natal. Eu só me preocupei com a possibilidade
dos meus olhos não quererem largar os dele. Era exatamente isso que
o vento suave, o balançar das árvores e o céu sem uma estrela
sequer me diziam em um silêncio perturbador.
Eu sabia.
Foi exatamente naquele dia que
ele roubou o que eu chamei de coração um dia. Hoje não sei mais
qual nome tem. É que sempre parece pouco. As palavras, sabe? Parecem
não ter as expressões exatas para o que eu quero dizer. Ele, o cara
do gorro preto pertencente a uma ação comum de andar pelas ruas em
um dia que teria tudo para ser sem graça, mesmo sendo véspera de
natal, não parece ser tão fácil em ser descrito. Não sei até
hoje se foi o mistério dos seus olhos ou o riso de lado dos seus
lábios. Não sei se foi o agitar do coração ou as mãos frias. Não
sei se foram as combinações imperfeitas de uma noite que carregava
tanta pressão em ser perfeita. Não sei exatamente em que momento eu
percebi que não adiantava desviar o olhar.
Estava presa.
Sabe quando sua noite está sendo
uma simples coisa? Sim, eu disse coisa, do tipo que não sabemos como
definir, nem como aceitar. E aí a gente atola na desesperança das
coisas melhorarem e, de repente, após estar com os pés ralados dos
cacos de vidro dos corredores impossíveis da vida, a gente esbarra
com o que pode ser considerado o melhor esbarrão do mundo. E então,
como costume à luta pela sobrevivência, a gente tenta inibir. E
cada vez mais tropeça. Nossa corda vai ficando bamba. Nossa
armadilha falha e quando vemos já caímos no que juramos não ser
amor.
Não foi amor à primeira vista.
Foi tudo, menos isso.
Foi descoberta. Foi desejo. Foi
mistério. Foi carência. Foi o oposto. A perseverança. A ilusão. A
tenebrosa noite gelada de uma véspera de natal nada animada. Foi
tudo, menos amor. O amor mesmo veio depois. Porque o amor acontece no
processo, depois do primeiro encanto, nos dias que surgem depois dos
primeiros sintomas; o amor acontece na construção. Antes, fomos uma
mistura. Fomos indefiníveis. Sem rótulos. Apenas nos deixamos
guiar, talvez, um pela presença única do outro. Talvez, pela única
coisa boa da noite. Nós apenas nos deixamos ser. Nos permitimos
virar o dia vinte e quatro sendo tudo, menos amor, mas tendo a
sinceridade como companhia e um novo brilho de esperança nos olhos.
E é engraçado como a vida nos
pega desprevenidos, sem hora marcada, sem a cena perfeita dos filmes.
Fomos apenas dois sem rumo em um dia onde muitos estavam rindo ao
redor da família. Éramos dois estranhos que se confortaram na
estranheza um do outro e se permitiram sorrir. Estamos sorrindo até
hoje. E agora juntos, mas ainda indefiníveis.
E quer saber? Somos felizes
assim.
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