Era natal, não era amor

by - dezembro 25, 2016


Havia muitas luzes na rua. Ele usava um gorro preto que deixava apenas sua franja comprida e loira e sedosa jogada para o lado em seu rosto. Tinha as mãos guardadas nos bolsos da frente do moletom azul e sua calça parecia um pouco maior que seu número, pois caíam em sua cintura dando vislumbres de sua roupa íntima. Não perguntei seu nome aquele dia, não quis saber o motivo de ele perambular pelas ruas, aparentemente sem rumo, em plena véspera de natal. Eu só me preocupei com a possibilidade dos meus olhos não quererem largar os dele. Era exatamente isso que o vento suave, o balançar das árvores e o céu sem uma estrela sequer me diziam em um silêncio perturbador.

Eu sabia.

Foi exatamente naquele dia que ele roubou o que eu chamei de coração um dia. Hoje não sei mais qual nome tem. É que sempre parece pouco. As palavras, sabe? Parecem não ter as expressões exatas para o que eu quero dizer. Ele, o cara do gorro preto pertencente a uma ação comum de andar pelas ruas em um dia que teria tudo para ser sem graça, mesmo sendo véspera de natal, não parece ser tão fácil em ser descrito. Não sei até hoje se foi o mistério dos seus olhos ou o riso de lado dos seus lábios. Não sei se foi o agitar do coração ou as mãos frias. Não sei se foram as combinações imperfeitas de uma noite que carregava tanta pressão em ser perfeita. Não sei exatamente em que momento eu percebi que não adiantava desviar o olhar.

Estava presa.

Sabe quando sua noite está sendo uma simples coisa? Sim, eu disse coisa, do tipo que não sabemos como definir, nem como aceitar. E aí a gente atola na desesperança das coisas melhorarem e, de repente, após estar com os pés ralados dos cacos de vidro dos corredores impossíveis da vida, a gente esbarra com o que pode ser considerado o melhor esbarrão do mundo. E então, como costume à luta pela sobrevivência, a gente tenta inibir. E cada vez mais tropeça. Nossa corda vai ficando bamba. Nossa armadilha falha e quando vemos já caímos no que juramos não ser amor.

Não foi amor à primeira vista.

Foi tudo, menos isso.

Foi descoberta. Foi desejo. Foi mistério. Foi carência. Foi o oposto. A perseverança. A ilusão. A tenebrosa noite gelada de uma véspera de natal nada animada. Foi tudo, menos amor. O amor mesmo veio depois. Porque o amor acontece no processo, depois do primeiro encanto, nos dias que surgem depois dos primeiros sintomas; o amor acontece na construção. Antes, fomos uma mistura. Fomos indefiníveis. Sem rótulos. Apenas nos deixamos guiar, talvez, um pela presença única do outro. Talvez, pela única coisa boa da noite. Nós apenas nos deixamos ser. Nos permitimos virar o dia vinte e quatro sendo tudo, menos amor, mas tendo a sinceridade como companhia e um novo brilho de esperança nos olhos.

E é engraçado como a vida nos pega desprevenidos, sem hora marcada, sem a cena perfeita dos filmes. Fomos apenas dois sem rumo em um dia onde muitos estavam rindo ao redor da família. Éramos dois estranhos que se confortaram na estranheza um do outro e se permitiram sorrir. Estamos sorrindo até hoje. E agora juntos, mas ainda indefiníveis.

E quer saber? Somos felizes assim.

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